A volta de Margot
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Margot,
a menina espoleta, é uma menina especial. O tempo não passou para ela. Assim,
continuou sendo menina, teimosa, cheia de vontades e com muitas caraminholas na
cabeça. Não deixou de acreditar em suas ideias melindrosas, não deixou de morar
naquela mesma casa, possuir ainda os mesmos amigos e frequentar os mesmos
lugares.
Parecia que
naquele seu mundo não existia tempo cronológico, é como se ele apostasse picula
com ela, mas nunca a pegasse... Estava livre em sua infância. E infância não
condiz com responsabilidades, consequências e planejamentos... Margot vivia
seus momentos, seu “aqui e agora”. A vida era boa e caso alguém pense que era
monótona, relembremos que estamos falando da menina Margot. Com ela não existe
rotina, não existem reticências: é tudo voraz! E uma coisa nunca era como
antes, eram sempre novas sensações e a vida seguia. Margot não gostava de
mudanças concretas, ela queria a constância e disso se nutria.
Mas, como há
muito não se manifestavam por aquelas bandas de lá, a mudança e o tempo se
fizeram ferozes. E feito rajadas de vento forte, criaram redemoinhos,
bagunçando o que estava em ordem, desmontando a vida pronta.
Margot não
gostou nada quando se viu crescida. “Mas o que é que é isso? Quero uma
audiência com o senhor Tempo. Essa aqui é a minha Terra do Nunca!” Pensava ela,
experimentando agora sensações até então desconhecidas. Sentia-se perdida,
sentia-se órfã, sentia-se sozinha. Margot teve que partir. Deixar a família,
que sempre a amparava nas horas boas e nos momentos de confusão, resolvendo as
trapalhadas da pequena. Mas agora, nem família, nem amigos, mais ninguém.
Era a hora de
contar consigo mesma. Era a vida adulta que chegava atroz. “Mas eu não quero!”,
exclamava a birrenta Margot. “Mas você vai.”, gritava a vida. E nessa imposição
que Margot sempre questionou e nunca entendeu, ela se foi sem aquele seu senso sobrecomum
de desbravadora, apenas empurrada pelas mãos do tempo. Com birra ou sem birra,
era a hora de se virar.
Em um lugar
muito distante, Margot se viu começando do zero. Tendo que encontrar pessoas,
fazer amizades e estabelecer relações. Foi quando encontrou a doce Aída, pessoa
que a fez se lembrar da Margot menina, protetora dos amigos e amiguinhas do
bairro. Então, a achando frágil, Margot quis proteger Aída. Órfã de pai e mãe
há muito tempo, Aída aceitou de bom grado essa proteção, afinal, tal como
Margot, ela também estava tremendo de medo daquela nova vida. E começava ali
uma relação de amizade. Muito forte, a menina Margot levou a sério o seu papel de mãe. Ajudava em tudo o que Aída precisava, as broncas também lhes eram
dedicadas. Uma cuidava da outra, mas Margot muito mais de Aída, e essa relação
de dependência assim ficou estabelecida.
Mas como a
própria Margot sempre dizia na infância, “bom mesmo é ter liberdade de explorar
o seu quintal”. O mundo era o seu quintal, muito embora tivesse medo. E do seu
medo Margot foi criando neuras e criando a sua zona de conforto, a vida foi
ficando boa. A presença de Aída a ajudava. Sentia-se cheia de responsabilidades
e com a obrigação de protegê-la. Foi quando Aída quis sair para desbravar o
quintal, o mundo lá fora e suas belezas, amores, festas, alegrias e no pacote
viriam também as tristezas, as decepções, os perigos da vida, mas ela queria
explorar este all inclusive.
Margot fez seu
papel. Reclamou, vociferou, impôs e argumentou. Aída não ouvia, Margot ficava
cada vez mais agressiva. Decidiu, certo dia, trancar a amiga em casa, “é para o
seu próprio bem”. No fim do dia, ao retornar para casa, Margot não encontrara
mais ninguém. Nenhum vestígio de Aída. Apenas um bilhete pendurado na
geladeira: “Liberdade ao passarinho. Quanto mais a gente cresce, mais odeia a
liberdade. Eu não tive pais para me dar limites. Eu já havia me acostumado a
ser só, até que te encontrei... E veja só, o quanto nos fizemos bem, mas depois
o quanto nos fizemos mal. Adeus Margot. Vou ao mundo, vou à liberdade, ainda
quem saiba nada sobre ela.”
Ao terminar de
ler aquele bilhete de tão poucas palavras e profundas reflexões, Margot chorou
feito criança rememorando quando sua mãe não lhe deixava sair em dias de
tempestade, ou quando ficava longe dos avós. Lembrou-se tanto de seus pais,
àqueles que ela criticava tanto por posturas impositivas, tantas vezes
protetivas e que privavam sua liberdade. E veio a constatação: Margot estava
pior que seus pais. Controladora, ameaçadora, preconceituosa, medrosa... Nem
seus pais eram assim.
Margot chorou
intensamente. Pensou em procurar Aída e dizer-lhe tantas coisas, mas não sabia
onde ela estava. Foi quando se lembrou do Parque da Cidade, Aída adorava aquele
pôr-do-sol. E então, preparou uma linda cesta com guloseimas, mimos e
presentinhos de valor sentimental para amiga seguido de vários bilhetinhos de
aclamação a liberdade. Alguns minutos antes do pôr-do-sol, Margot se dirigiu ao
Parque e deixou a cesta no lugar preferido da amiga, com um bilhete em evidência:
“Querida amiga minha, o mundo é cheio de portos, pousadas e aeroportos. Quando
estiver cansada e precisando de aconchego, faça de mim pouso, porto e
aeroporto, tenha em mim pra sempre este lugar de lar.” Mas no fundo Margot sabia que o
lar na verdade era o mundo e que bastava uma mochila e a coragem para
desbrava-lo. E como na vida adulta as coisas jamais se findam sem consequências e finais felizes homéricos dos contos de fadas, as atitudes de Margot a levaram a eterna dúvida de se aquela cesta algum dia chegou até as mãos de Aída, que fez de seu silêncio uma lembrança doída e nunca mais deu notícias. E a menina
tornou-se mulher e já não era Margot. A solidão tomou conta da vida de
Margarida, que já não
podia andar descalça, aprendeu a viver e se equilibrar no salto alto.
Num
sobressalto, o silêncio é quebrado por um grito fino e incômodo: “AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!”
A menina olha a seu redor, reconhece o seu quarto e se reconhece. “Ufa! Ainda
bem que foi apenas um sonho e eu já acordei. Nossa, que pesadelo mais horroroso! Vou agora mesmo para a pracinha
aproveitar a vida, vai que eu cresço!” E Margot saiu mesmo descalça, desesperada por mais horas de infância.
Queria estar sonhando como Margot e acordar na infância, tão maravilhosa nostalgia! Ana Paula Duarte.
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