Equidade, gênero e PME’s



Ana Paula Mendes Duarte[1]

Nas discussões sobre os processos de educação que pairam no Congresso Nacional desde 2013, acerca do Plano Nacional de Educação- PNE, dos 26 deputados que votaram na Comissão Especial da Câmara dos Deputados no final de 2014 e início de 2015, 15 votaram a favor da retirada da questão de gênero no artigo 2º, e 11 votaram contra. Nisto, a questão foi retirada do texto final, o que configura um grave retrocesso na educação brasileira, que desde 2010 já tentava adicionar a questão de gênero no PNE, para que o mesmo fosse mais um instrumento em defesa da superação das desigualdades no país e que fosse o mais democrático possível, assumindo caráter laico, ético, democrático e inclusivo.

A celeuma foi fomentada pelos representantes que fazem parte da chamada bancada evangélica e religiosos ( de alguns segmentos neopentecostais e setores da Igreja Católicos conservadores e fundamentalistas) que usaram como argumento de que havia a tentativa de colocar a “ideologia de gênero” no PNE para destruir as famílias brasileiras, e que os diversos movimentos sociais e demais segmentos em defesa de uma educação problematizadora estavam impondo isso.

O texto era o seguinte: “superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação”.  Foi proposto um termo mais geral que não dava conta das especificidades e o texto acabou retirado do PNE.

Texto suprimido, a orientação dos Grupos de Trabalho e discussão da CONAE 2014 é de que o tema igualdade/equidade de gênero conste nos PEEs- Planos Estaduais de Educação e PMEs- Planos Municipais de Educação. A orientação aos delegados e delegadas da CONAE 2014, é de que os municípios possam assegurar a questão de gênero nas estratégias das metas, na busca de inserí-las, não enquanto ideologia, mas enquanto um tema candente e necessário na busca da inserção de práticas não sexistas e não discriminatórias nas escolas brasileiras.

Neste sentido, as comissões que elaboram os textos nos municípios utilizam o termo “equidade de gênero” nas estratégias das metas que observam as demandas e peculiaridades, seja na meta referente à formação do/a professor/a, pro exemplo, ou da universalização da educação no ensino fundamental II, ou na meta que dá conta da educação integral e assim sucessivamente.

Agora os municípios já elaboraram seus Planos Municipais e estão concluindo as Audiências Públicas, a maioria já se encontram nas Câmaras de Vereadores para votação e aprovação. Só que mais uma vez representantes religiosos das igrejas: católicas, evangélicas e neopentencostais estão apresentando resistência sem diálogo quanto ao termo equidade de gênero. Mas afinal, qual o problema do termo equidade/igualdade de gênero? A palavra equidade e igualdade são sinônimas. Segundo a etimologia da palavra equidade, a mesma deriva do latim aequitas, que significa conformidade, simetria e justo.

Mais polêmico, o termo gênero sofreu mais alterações de sentido e representação ao longo dos anos, veio também do latim genus, que significa nascimento, família, tipo. Já na derivação grega, o genos e genea trazem em seu significado o conceito de sexo (masculino e feminino). Este último em especial, tem uma íntima relação com os problemas enfrentados por conta do conservadorismo. Nos atuais estudos de gênero existem diversas teorias para definir e estudar na perspectiva de entender melhor o que é gênero, por que gênero e/ou desfazendo gênero. São estudos complexos, que estão sempre sendo refutados e problematizados especialmente pelo mundo acadêmico.

É um termo antigo, porém pouco refletido nesse sentido específico. Acontece que dentro dos estudos sobre gênero descobriu-se que durante muito tempo as sociedades se utilizaram das diferenças anatômicas entre masculino e feminino para construir desigualdades e estruturas fundantes como o patriarcado e o machismo, que permaneceram nutridos, até que outros estudos apareceram para buscar a desconstrução dessas estruturas que se tornaram padrões.

Outra questão importante é que em seu significado gênero não é uma ideologia. Ideologia é doutrina, visão de mundo, conjunto de ideias. Gênero dá conta dos padrões engendrados para categorizar e caracterizar o masculino e o feminino.

Como o compromisso do Plano Nacional de Educação é contribuir para o fim das desigualdades no Brasil, abordar gênero tem total lógica. Uma vez que, enquanto instrumento de formação e transformação dos sujeitos sociais, a educação tem compromisso com a justiça e o respeito às diferenças, neste caso específico, diferenças que são traduzidas quando abordamos gênero na escola, buscando desfazer os padrões estabelecidos que acabam fortalecendo a ideia de que masculino e feminino tem diferenças gritantes e que há superioridade e dominação de um para o outro.

Assim, unindo as palavras “justo”, “igualdade” e “simetria” à palavra gênero (masculino e feminino) o que temos é o incentivo à igualdade de direitos, ao não sexismo e a não discriminação, para que a educação possa problematizar os comportamentos violentos, machistas, misóginos e cruéis que afligem homens, mas principalmente as mulheres em nossa sociedade. Para que iguais e diferentes sejam respeitados.

Nos Planos Municipais e possivelmente nos Estaduais, o que vai aparecer é o termo enquanto estratégia e de acordo com a demanda dos municípios. Existem vídeos desvinculados da realidade racional que induzem propostas e teorias de outros países, calúnias e exageros que não cabem no que se propõe o PNE, que é a base para os demais.

Portanto, fica em aberto o convite para uma análise mais profunda do PNE. E também dos PMEs e mais atenção aos PEEs que vêm por aí. Desde 2013 os debates nas fases das Conferências em que envolveram todos os setores da sociedade já debatiam sobre equidade de gênero no PNE, mas por falta de informação e fundamentalismo de nossos representantes, o termo tão atual e importante acabou sendo suprimido, como se na escola isso fosse ser ‘invisibilizado’. E nisso sim, atenção, pois há uma ideologia por trás.

O estado brasileiro por ser laico, precisa respeitar as diversidades e buscar sanar as desigualdades, sejam elas econômicas, sociais, de geração, raça, etnia e gênero. A educação é a maior ferramenta contra a violência, o preconceito, o crime e, principalmente, a ignorância por falta de conhecimento.

Em educação não cabe religiosidade, maniqueísmo, binarismo e nem tendências conservadoras visando à dominação ou a desinformação para gerar o terror. Principalmente na era Pós-moderna, em que a informação é repassada com uma rapidez incontrolável e a quantidade de informações é diversa e não selecionada.

O desafio para uma reflexão menos superficial fica alimentado a partir das palavras de Renato Janine, Ministro da Educação, que lamenta ser “uma pena que a discussão tenha se desviado desse aspecto de liberdade das pessoas, que faz parte da educação. Educação é liberdade, é acolhimento, é democracia”.

*Para mais informações, fica a sugestão da leitura do PNE e por conseguinte dos PME’s. Disponível em http://pne.mec.gov.br/images/pdf/pne_conhecendo_20_metas.pdf

Aproveito para solicitar aos/as leitores/as e amigos/as para que compartilhem o texto, em contraponto ao que se tem divulgado nas redes sociais, no sentido do esclarecimento das pessoas a respeito do tema.

[1] Pós- graduanda em Gestão de Políticas Públicas de Gênero e Raça (UFBA), graduada em Letras Vernáculas (UEFS) e orientadora educacional.



Comentários

Nathi disse…
Oi Ana, faz um tempão que não apareço. Gostei do seu texto, principalmente por ser técnico é difícil de ler e não se importar... a realidade tá ai, nas cidades, nos estados no nosso Brasil.. acontecendo, quer a gente se preocupe em saber ou não. Fico feliz que você se importa.
Sinto falta de alo que não sei o que é quando penso na política brasileira.

Na educação no Brasil...

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